RESENHA: A NOIVA
ASSIS, Machado de. Um Esqueleto. In: Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar
1994. v. II.
A obra faz parte do período romântico de Machado de
Assis, publicada em 1875 no Jornal das Famílias, seu exagero pode ser visto
como uma paródia das características do romantismo, mas também reforça o gênero,
pela maneira com que foi escrito, não ofendendo o gênero mas questionando-o,
acrescentado de mistérios e conselhos exemplificados.
O conto tem como objetivo demonstrar o ser macabro
que o homem pode se tornar e o que nos leva a ignorá-lo. Seu enredo acontece
quando doze rapazes que estão em uma praia conversam sobre artes, letras e
política, mas contém elementos de descontração, dentro de um cenário onde há um
mar irelevante aos personagens e uma noite que aparentava trazer uma chuva.
Logo neste inicio é feito um pedido pelo perdão de
Deus, pelas palavras descontraídas e trocadilhos feitos pelos rapazes,
demonstrando que o conteúdo não é totalmente direto, e as informações começam a
ser lançadas em palavras soltas como vestígios, assim como o número doze faz
referência aos doze dicípulos de Jesus. O pedido pelo perdão de Deus por
simples trocadilhos o coloca na posição de carrasco e extremista, o mar que é
ignorado pelos personagens é relacionada na Bíblia Sagrada como povos, fazendo
referência aos apóstolos mais uma vez:
“Disse-me ainda: As
águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, multidões, nações e
línguas.” Apocalipse 17:15
Um dos rapazes elogia a língua alemã e um rapaz chamado
Alberto concorda comentando sobre as vantagens da língua, revela ter aprendido
esta língua com o Dr. Belém. A língua ensinada pelo Dr. Belém revela a sua
origem e sua identidade. Belém era magro, alto, tinha os cabelos grisalhos e
caídos, aparentava ter mais de sessenta anos, embora não chegasse aos
cinquenta, era bastante voltado aos estudos e teve bastante desgostos em sua
vida, vinha de Minas com o propósito de imprimir dois livros, mas não achando
escritor, rasgou-os. Havia descoberto um planeta, mas ao enviar uma carta para
a Academia das Ciências de Paris, esta foi para Goiás. Após a informação um dos
rapazes riu sobre a falta de sorte de Dr. Belém, mas o narrador Alberto não
gostou do comentário. Alberto era o narrador da história que tinha olhos
direcionados ao chão e melancólicos, ele descreve Dr. Belém como um homem
excêntrico que não era completamente bom, como o maior amigo que jamais teve e
que tinha saudades, estas informações geraram uma brusca mudança de humor,
dando lugar a um suspense.
A caracterização de Dr. Belém como um homem que não
era completamente bom e o seu próprio nome os disfarçam com as características
de Jesus Cristo, por ter nascido em Belém e por ter dito a seguinte frase
descrita na Bíblia Sagrada:
“Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? Ninguém
é bom, senão um que é Deus.” Marcos 10:18
Um dia após um questionamento de Alberto sobre seu
estado civil, Belém decide se casar com D. Marcelina. Ela era de ouro preto,
viúva, não era bonita, mas era simpática, tinha bens mas não ultrapassavam os
de seu pretendente. Certa vez, em uma conversa Belém afirma que sua primeira
esposa era mais bonita que sua atual noiva e interroga-o se nunca a conheceu,
resolvendo mostrá-la a Alberto, ela era um esqueleto dentro de um armário de
vidro coberto por um pano verde.
A singularidade de Dr. Belém é a sua característica
principal, era um homem que sabia usar as palavras, que tinha um ponto de vista
do mundo diferente dos outros, estes que o viam como amigo íntimo do Diabo, não
que não fosse, mas ele via a beleza onde os outros não viam como em um
esqueleto, que ainda era uma parte de sua antiga esposa, ele mostrava amor até
mesmo nas atitudes que geravam medo.
Em um dos
jantares foi revelado o nome de mais um personagem, João servo de Belém, mais
uma referência a Jesus Cristo na Bíblia Sagrada, por seu nome, por ser servo e
ter a mesma idade de Dr. Belém:
“Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, saltou a
criancinha no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo, e exclamou em
alta voz: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre!”
Lucas 1:41-42
Após a revelação do esqueleto, a responsabilidade de
Alberto por medo de acontecer algo à D. Marcelina crescia, então Dr. Belém a
pede em casamento utilizando de sua habilidade com as palavras, e ela nega o
pedido, ele pede mais duas tentativas, uma frustrada e a outra com sucesso.
Eles se casaram e viveram um mês de felicidade plena, depois D. Marcelina já
estava triste, o motivo Alberto descobriu em um dos seus jantares com seu
mestre quando discutiam sobre o Fausto, neste momento, Dr. Belém já se
caracteriza como um lobo em pele de cordeiro, e é comparado com Mefistófeles,
nas versões de Fausto, ela é uma personagem satânica da Idade Média que pede a
alma à Fausto em troca do grau máximo de conhecimento e o coração de uma bela
donzela. Ao ir jantar Alberto se depara com o esqueleto entre Dr. Belém e D.
Marcelina na mesa, ele apavorado correu da casa.
Passou Alberto três dias sem visitar Dr. Belém, ele
não tomou nenhuma providência a respeito, estes três dias fazem referência ao
período que Cristo estava morto. Após isto, Alberto foi convidado a outra visita
e desta vez teve atitude de confrontar o doutor, mas este com argumentos fortes
sobre seu respeito e carinho por sua primeira mulher, apenas demonstrava mais
amor ao esqueleto, falava sobre a importância do ser humano, e o desrespeito
que é não considerar os restos mortais deixados por quem amamos.
Houveram algumas informações importantes nesse novo
encontro, o nome de sua primeira esposa era Luísa e o motivo da morte foi um
assassinato cometido pelo próprio Dr. Belém, por ciúmes de um caso que não existiu.
O esqueleto junto a eles era um aviso a D. Marcelina para que ela não cometesse
adultério, após a ameaça Alberto vai embora e promete não voltar.
Após um bilhete de D. Marcelina pedindo que ele não
à abandonasse, pois era o único que ainda os visitava, ele muda de idéia e vai
visitá-los, mas desta vez Belém diz ir fazer uma viagem e pede que Alberto faça
compania a Marcelina, eles decidem que ela deveria ficar junto com a irmã de
Alberto, para não dar motivo a rumores.
Após um mês da ausência de Dr. Belém eles recebem
uma carta pedindo que eles fossem ao encontro dele junto com o esqueleto,
Alberto cauteloso chamou seu cunhado e sua irmã para irem juntos.
Chegando se depararam com ele alegre, mas frio com
D. Marcelina, passaram dois dias lá. Querendo voltar pediram que ficasse mais um. Três dias, novamente, sem
atitudes. No terceiro dia, Dr. Belém convida sua esposa a ver lindas parasitas
no mato, ela pede que Alberto vá junto e ele aceita ir.
Ao chegar lá avistam um riacho com um esqueleto e Dr.
Belém confessa que iria cometer um crime, mas que pelo amor que sente pelos
dois, não iria fazer mais aquilo, que eles se amavam, e que queria que os dois
fossem felizes, e pra isso deveria deixá-los, Alberto negou tudo, mas Belém
saiu abraçado com o esqueleto de sua mulher, enquanto D. Marcelina desmaiou,
Alberto chamou ajuda, e terminou assim o conto de Alberto.
Alberto ao termino do conto, diz que Dr. Belém nunca
existiu, logo em seguida há uma polifonia do escritor com uma frase, afirmando
que seria inútil explicar o que esta declaração proporciona, a declaração
citada é a de Alberto ao dizer que Dr. Belém não existiu, pois ele existiu, não
com este nome, mas com o nome de Dr. Antônio José Peixoto, que assassinou sua
esposa Eugênia Mege por ciúmes, roubou o corpo da sepultura colocando o
esqueleto em uma vitrine em seu consultório. Eugênia era uma cantora lírica
francesa, que ao chegar ao Brasil se apaixonou por José.
A obra se assemelha a lenda popular “Fausto” da Alemanha,
que também é baseada em fatos reais, houve um homem chamado Dr. Johannes Georg
Faust (1480-1540), que fez um pacto com o demônio
Mefistófeles
em troca de conhecimento, a mais famosa obra baseada na lenda foi escrita por
Goethe em 1806. O texto também tem uma intertextualidade com a obra “Historia
von dr. Johann Fausten” de Johann Spiess, que também é sobre o Fausto.
É tentador a presença de palavras e números que nos
lembrem a história de Jesus, não só em vestígios, mas podemos ver na obra
também um pensamento e identidade gravados pelo autor. Jesus é representado por
Dr. Belém, sua atual noiva representa a igreja conquistada por Cristo na cruz:
“Regozijemo-nos, e
exultemos, e demos-lhe a glória; porque são chegadas as bodas do Cordeiro, e já
a sua noiva se preparou, e foi-lhe permitido vestir-se de linho fino,
resplandecente e puro; pois o linho fino são as obras justas dos santos.” Apocalipse 19:7-8
O esqueleto de sua antiga esposa representa os povos
do antigo testamento, a noiva ao se casar terá seus banquetes ao lado de uma
terrível ameaça, e atormentada por lembranças torturantes dos que já se foram.
Dr. Alberto representa o próprio Diabo, amigo, que já o amou tanto, mas o traiu
para tentar proteger a noiva das consequências da primeira vítima.
O conto é bem objetivo, mas tem infinitas
possibilidades de acordo com as particularidades dos leitores. Utiliza de uma
história sem desfechos, ou explicações, dando ao conto uma expansão maior de
alcance. Excelente para quem procura por perguntas, e intrigante para quem
busca por respostas.
REFERÊNCIAS:
Fausto – Wikipédia, a enciclopédia livre. 2013
Mefistófeles – Wikipédia, a enciclopédia livre. 2013
Um esqueleto (Conto da
obra Contos escolhidos). 2013
Bíblia Sagrada – Apocalipse, Lucas e Marcos - Tradução:
João Ferreira de Almeida.